sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Pai, existência e legado.

Desde pouco tempo antes da morte do meu pai, penso na sua existência e legado, e como isso fez com que eu mudasse meu comportamento em relação aos meus filhos, mãe, irmãos e a própria vida. Muito longe de ter sido um mau filho, do meu lado, ou um mau pai, do lado dele – muito pelo contrário – éramos bons amigos, só que brigávamos sempre pelos mesmos motivos. Nossas diferenças de opinião combinadas com nossa natureza ou ancestralidade italiana tornava nossa relação um caso de combustão automática.

Ao pensar em tempos muito antes daqueles, lembro que desde adolescente, eu e meu pai tínhamos um tipo de relação que oscilava entre o confronto e a união. Por muito pouco surgia uma discussão que acabava de maneira crítica – se porque o meu cabelo estava comprido eu deveria cortá-lo. Se porque ele ficava se metendo com o meu cabelo comprido – Eu não gostava do modo como ele conduzia as conversas depois que chegava da rua. O efeito do álcool incomodava demais a mim, minha mãe e irmãos, mas eu acabava recebendo o maior impacto disso porque sempre me intrometia entre eles, ele e ela, durante suas discussões.

Amava meu pai, mas vivia em péd de guerra com ele o tempo todo. Esse sentimento contraditório nos acompanhou por muitos anos. E mesmo depois de eu estar casado, com meus filhos e circulando pelas muitas regiões do Estado de São Paulo, onde trabalhava pelo SESC, exercendo aquela profissão que ele era categoricamente contra, ainda assim nós nos encontrávamos sempre entre momentos de guerra e paz. Os netos em casa a exigir ações mais abertas de todos acabaram por mexer com o comportamento do meu pai, lapidando-o e tornando-o mais suscetível aos novos tempos, jeitos de agir, comportamentos mais diferenciados.

Ao final e ao cabo, eu e meu pai nos entendemos. A doença que lhe tomou o corpo precipitou o nosso entendimento. De meu lado, a ausência possível dele e minha noção de rebeldia ou de frustração por antigas divergências mal resolvidas perdeu força e deu lugar a um desejo enorme de conciliação. O último entrevero entre nós, e mais radical, abriu uma vala tão funda e larga que só a parada imediata e o recuo de ambos possibilitou consertar o estrago feito.

Mas o tempo foi determinante e nos ajudou a recuar, nos fazendo sentar à mesa para acertar nossas arestas, as diferenças, conhecer um pouco mais sobre nossos pontos de vista, nossos projetos, ideias e visões de mundo, bem como as visões um do outro e vice-versa. Acho que isso aconteceu pouco antes da Páscoa de 2005, e daquele momento em diante, eu e meu pai abandonamos as armas e nos encontramos definitivamente em paz um com o outro.

A sensação de alívio e prazer de ambos os lados só foram escurecidas pelo agravamento dos sintomas que as doenças e outros problemas que ele tinha e que fizeram com que sua vida se esvaísse muito mais rapidamente a cada momento. Pouco tempo antes de sua morte, já no leito do hospital, um desabafo me fez cair na real e amadurecer, disse ele com o olhar vidrado e triste – João, estou cansado.

Minhas orações tornaram-se mais frequentes e nossas conversas mais intensas com ele, e de outro lado, indiretamente, comecei a preparar os outros para algo que estava certo ia acontecer e era necessário, pois meu pai precisava descansar. Era preciso entender e aceitar que ele precisava seguir adiante, sair daquele sofrimento que o mutilava, impedia, dividia, separava. Por mais unidos que estivéssemos a hora de nos separarmos estava chegando.

Sua passagem se deu em novembro de 2005, dia 7, e sua partida deixou para mim, e tenho certeza que para a minha mãe, irmãos, netos e para aqueles que o conheceram também, para além da tristeza da separação, um legado de amizade, respeito, honestidade e uma determinação enorme de viver.

Pensar nele e reverenciá-lo é honrar sua existência e legado. É por em prática na vida com meus filhos tudo aquilo que aprendi e depreendi durante o tempo em que convivi com o meu pai e com sua lembrança.

Salve meu pai.

2 comentários:

Unknown disse...

Emocionou-me seu texto suas palavras doloridas e verdadeiras. A saudade entristece, mas ao mesmo tempo, saber que afinal vocês chegaram a um tempo de paz é reconfortante.
Sim, muitas vezes são os netos que ajudam a que nossos pais nos entendam e certamente vice-versa, quando somos pais entendemos nossos própios pais,finalmente.
Ou aceitamos, sei lá.
beijo grande

Feliz Dia dos Pais.
Estela

sandra disse...

Não existe nada mais lindo do que as lembranças que você está trazendo dentro do seu coração, estas são tuas, ninguém jamais conseguirá remover do lugar onde estão guardadas...
Lindo...Muito lindo João...Parabéns Menino!!!!!!