sábado, 28 de agosto de 2010

Depois da parede

Havia mais de meia hora que eu fitava a parede do meu quarto e nela a janela, por onde eu via a paineira balançando ao ritmo do vento, a luz da Lua e o reflexo das luzes da rua que se misturavam criando e iluminando todo o quarto. O vento muito forte naquela noite criava ruídos interessantes que combinados pareciam uma sinfonia para ninar. Contudo, especialmente naquela noite, eu não conseguia dormir.

Olhei de relance para o relógio, que nunca está na hora certa, calculei a diferença para o horário que eu imaginava ser o certo e ainda nada do meu sono vir. Pensei em levantar, tomar uma água ou algo mais forte, quem sabe uma dose daquele uisque antigão que meu amigo me deu. Não, achei melhor ficar ali quietinho e tentar dormir. Lá pelas tantas percebo que a parede, que eu tanto fitava, estava se mexendo, parecia como tremendo, enfim, não sei. Muito estranho. Parecia que algo corria de cima para baixo e e vice-versa, para os lados e de lá para o centro. Maluco! Pensei, acho que to sonhando, aquilo não era possível. E a parede continuava ali (ainda bem, né), mas algo nela continuava a se mexer e aquilo começou a me preocupar.

Sem me levantar e meio na bobeira, arrisquei um gesto com a mão na tentativa de alcançar a parede, que, por um instante, parou de se mexer. Aquele ato me deixou completamente imóvel. Ao ficar quieto a parede voltou a se mexer. Tudo aquilo estava muito estranho e num ato de coragem resolvi encarar a bagaça. Me levantei com a intenção de conferir mais de perto e se eu estava sonhando ou acordado, ou tinha pirado de vez... rs. Sai da cama pelo lado contrário da janela - sim, não podia arriscar estar errado e a parede me atacar, já pensou... Que explicação eu teria: "a parede me atacou". Bem, lá fui eu pé ante pé em direção a parede que oscilava entre mexer mais lentamente e parar. Fui chegando e já bem próximo e ao tocá-la, fiquei chocado, supreso e aliviado, tudo ao mesmo tempo, porque não havia nada a tocar. A parede simplesmente não estava ali. No lugar uma cena de cinema sendo projetada onde era a parede e tudo o que eu via - a janela, paineira, vento e as luzes -não passavam imagens projetadas.

Estendi o braço e este ultrapassou o limite da projeção das imagens. Um passo a mais e subitamente, me vi fora do quarto ou além da parede, ou ainda, num lugar que se fosse real, não haveria nada e eu cairia de uma altura de três andares, direto no quintal do vizinho do térreo. Mas não, eu estava numa passagem que me levava para dentro de um galpão imenso, todo preto, com muitas vigas e colunas metálicas. Muitas luzes parecidas com aquelas de emergência que ficavam piscando. O lugar era imenso e o teto muito alto, eu não coseguia precisar a altura daquilo. De longe eu avistava um lugar que parecia ser o centro do tal galpão onde, como se fosse uma ilha bem clara no meio da escuridão se destacava. Ela ficava mais do que o lugar onde eu estava e tinha algo parecido como balcões. Ao chegar mais perto percebi que eram painéis cheios de botões e luzes coloridas que se alternavam entre acesas e apagadas. O tempo todo eu olhava em volta procurando para ver se havia alguém por perto e nada, não via ninguém. Arrisquei uns berros para chamar a atenção, coisa de caipira chamando o vizinho, mas fiquei com receio de estar dormindo e acordar a vizinhança com gritos na madrugada. Bem, ninguém apareceu nem ali no galpão e nem na porta do apartamento. Os sons do lugar pareciam aqueles de transformadores de energia ligados, como que um ruído bem baixo e permanente, e mais nada.

Aquela viagem já estava mais do que interessante e eu não sentia mais nem vontade de querer dormir. Queria mesmo é estar ali tentando descobrir o que podia ser tudo aquilo. Depois de me acostumar um pouco mais com o lugar decidi explorar aquela ilha, seus painéis e botões. Logo percebi que onde eu pisava, aliás, tudo à minha volta tinha um tipo de piso muito estranho que lembrava aquelas placas de aço cheias furos redondos e onduladas, sempre num tom que alternava entre o preto e o cinza escovado, e que não refletiam a luz. Não havia degraus e sim rampas, muitas. No centro havia algo como uma coluna cilindrica enorme, uns quatro metros de diâmetro, e muito alta que parecia ir além do teto. Mais de perto, notei que as tais luzes vinham de números e letras, que formavam diferentes sequências, e que estava em todos os painéis. Aquilo me parecia uma área de controle sem nenhum operador, tudo funcionava sozinho. Numa de minhas andanças entorno daqueles painéis me deparei com umas colunas de mais ou menos um metro e meio de altura e no alto delas um conjunto luzes, botões e sinais. Não havia nada escrito, bem, quer dizer, nada que eu entendesse pelo menos, e nada do tipo "não toque em nada", ri com meus botões... Arteiro como sempre, toquei no tal painel e um ruído ensurdecedor ecoou por todo o lugar. Gelei!!! Fiz besteira, pensei. O barulho logo silenciou. Me abaixei e procurei para ver se alguém aparecia, enfim, ninguém apareceu, ufa!

Mexi novamente e mais uma vez, e os barulhos foram rolando com tons diferentes. Gostei da brincadeira e comecei a fuçar em tudo por ali até que, por um motivo que não sei dizer e nem me lembro, ativei alguma coisa que fez com que uma luz que vinha do alto daquele galpão e descia exatamente naquele cilindro se intensificasse. Uma luz muito branca que doía meus olhos de tanta luz.

Já bem mais corajoso, me aproximei da tal luz que curiosamente não se comportava como outras luzes que eu conhecia, isto é, aquelas que a gente acende e apaga, etc. Não, aquela não fazia isso, ela se movia de lado, entortava, se curvava, como que feita de muitas luzes individuais, com vida própria. Ora elas formavam a minha imagem, ora mudavam as partes da minha imagem de posição, criando coisas muito diferentes e até divertidas. Fiquei encantado com aquele jogo de luzes e pensei que coisa maravilhosa estava acontecendo comigo naquela noite. Primeiro a parede do meu quarto se mexendo, depois atravesso a parede e cá estou nesse local incrível para logo depois estar com estas luzes lindas, criativas e geniais. Muito encantado, não aguentei e resolvi tocá-las, senti-las. Me aproximei muito devagar e com a coragem meio pronta pra me fazer correr dali, até porque, vai que a coisa toda vira do avesso e degringola.

Ao estender meu braço percebi uma força enorme que me envolvia e me puxava em sua direção. Aquela sensação me fez assustado e buscar opções para escapar dali e voltar para a parede, para a minha cama, enfim, acordar, não sei. Olhei em volta buscando um caminho e além daquelas luzes tudo estava um breu, não se via nada, só mesmo as luzes e aquele cilindro imenso que as jogava para cima ou as trazia de lá, não sei. Sem ter pra onde correr decidi ir adiante, era tudo ou nada.

Um formigamento começou pela minha mão e logo tomou todo o braço. Eu o sentia preso ou seguro por alguém. Daí as luzes envolveram minhas pernas e logo todo o meu corpo formigava. Tentei gritar e minha voz, que ali se parecia com a do Pato Donald, nem saía. Depois de alguns minutos não sentia mais o peso do meu corpo. Parecia que eu estava flutuando, como algo muito leve. A preocupação deu lugar a um prazer indescritível que me tranquilizava - eu estava gostando de tudo aquilo. Me movia livremente em direção às luzes e estas vinham ao meu encontro. Eu sentia meu corpo, mas não o via.

Após algum tempo, aquela euforia e prazer deu lugar a muita tensão e preocupação poque as luzes começaram a mudar cor muito rapidamente, quase que freneticamente. Algo estava acontecendo com aquele lugar porque o ruído que eu causara no início recomeçou a ecoar de maneira ainda mais estridente, e alternando estrondos que pareciam explosões de uma luz intensa e som muito alto.

Uma dessas explosões me acertou em cheio e fui arremessado para cima a uma velocidade incrível, em direção ao teto, só que este nunca chegava, isto é, eu não parava mais de subir e eu estava cada vez mais alto e rápido, quando, de repente, como num abrir de olhos, parei e me vi ali, fitando a parede do meu quarto, a janela, a paineira que ainda balançava ao ritmo do vento e a luz da Lua.

Não sei se acordei de um sonho ou se sonhei acordado. Se saí dali ou nada daquilo tudo não passou de um pesadelo, sonho, estresse... não sei. Tudo aquilo me deixou meio atordoado e tentando entender, olhei pro lado... vixe, vou perder a hora.

3 comentários:

Malu Oliveira disse...

Quanta imaginação! Seja sonho ou não você fez uma viagem e tanto. Pena (ou não),a gente sempre volta a mesma realidade.

Ni disse...

Amei!!Lindooo!!

Dagoberto Wagner disse...

Velho amigo, o que é a realidade senão o reflexo dos nossos sonhos? E o que são os sonhos senão a maneira com que nosso inconsciente derruba as paredes da realidade? Excelente reflexão meu caro João, gostei imensamente do blog, um forte abraço!