sexta-feira, 23 de maio de 2014

Desequilíbrio tênue



Enquanto o surfista olha o movimento das ondas e espera aquela que vai levá-lo em sua crista efervescendo sua adrenalina em um desequilíbrio tênue entre a segurança da experiência vivida e a aventura do novo, único e momentâneo, na praia, a mãe sente medo pelo mar bravio e ruidoso que despertou depois da calmaria dos dias anteriores e não deixa o menino ir além da segunda “ondinha” porque ela sabe que por ali ronda uma correnteza forte e contrária, que pode derrubá-lo e arrastá-lo mar à dentro e para longe dela.

Atento, o guarda-vidas, que havia saído de uma balada irada e dormido muito pouco, nem boceja diante da violência que a tempestade da noite anterior impôs às ondas, e observa com seus olhos esbugalhados de sono a mãe, o menino e o surfista. Em sua mente uma batalha feroz está sendo travada entre o desejo de se aventurar nas ondas que anima o menino e o surfista, e a mãe que estabeleceu o limite de seu medo na areia.

Essa cena, que parece tirada de um filme, acontece todos os dias em minha mente onde ora o surfista encara altas ondas no mar revolto, ora o mar está tão tranquilo que ele busca na cantoria na areia seu espaço para se divertir e brincar; ora a mãe protege o menino da correnteza, ora ela o leva para flutuar lá no “fundão”, apoiado em seus braços, para delírio do garoto não acostumado com o desafio de ficar onde seus pés não alcançam o fundo.

Enquanto o surfista prancha pelo tubo e toca a coluna d’água, seu coração dispara. De um instante para o outro sua existência transcende para além do mar e do céu. Nesse mesmo instante, o menino ergue-se na areia para defender seu castelo cheio de bandeiras e brasões das ondas que chegam; cava canais e muros, agita-se na esperança de que o mar entenda seu pedido e o deixe curtir sua felicidade por mais um tempo.

Enquanto cobre os olhos por causa do Sol, a mãe, de longe, observa o esforço do menino, lhe mostra a sacola com os brinquedos, protetor solar e guloseimas e que está ali se ele precisar. Ao mesmo tempo, do alto de sua cadeira, o guarda-vidas sonha acordado com o tempo em que surfava grandes ondas, brincava na areia e era cuidado pela sua mãe.

As circunstâncias, como as correntezas no mar, nos empurram, puxam, jogam, sacodem, afundam, geram tristeza e alegria, melancolia e euforia, confiança e apreensão. Elas nos lavam a alma e nos deixam mais leves para dançarmos juntos, nós e o mar, ao ritmo da mesma correnteza, numa mistura de aventura e medo, conhecimento e novidade, excesso e falta, grandiosidade e pequenez. 

Vivemos instantes simultâneos e singulares em que os desequilíbrios do agora logo se tornam reequilíbrios mais adiante, num exercício permanente para nos manter sobre a prancha ou para nos sentirmos mais seguros durante o balançar das ondas.

Seguimos nos equilibrando na vida.


João Gambini (maio 2014)