sábado, 18 de abril de 2015

Gente assim!


Ao fim e ao cabo de uma existência é uma frase emblemática que tenta materializar no leitor a ideia de que há uma conclusão no caminho. Os autores de novelas matam uma personagem só para que sua lembrança fique viva durante todo o enredo e provoque ou justifique os acontecimentos entre os personagens restantes ou sobreviventes. Os autores, como deuses desse universo em particular, manipulam como querem os destinos das personagens para provocar os finais que eles imaginam de seus romances, dramas, aventuras. Só alterando o final contra sua própria vontade quando a audiência clama desesperadamente pela vida da personagem mais querida ou odiada do pedaço. Os autores mudam ao seu bel prazer o fim das histórias que contam.
Diferindo da forma como os enredos das novelas são conduzidos e da visão de algumas crenças, penso que a nossa existência se parece mais com roteiros inacabados em que cada personagem vão escrevendo seus próprios capítulos e rumos. Nunca estão prontos, acabados ou determinados por um ou vários deuses, ou mesmo pela herança genética ou espiritual. Esses roteiros são processos em construção constante a partir das ações, pensamentos, desejos, sensações, vontades, planos e ideias desses enquanto protagonistas da própria história.

escolhas2.jpgUm caldeirão de onde saem os resultados, desdobramentos, impactos e influências para todos os lados. Há ainda aqueles que defendem ser a nossa existência definida pelo tal "destino" – um conceito que aponta um dedo egocêntrico para nossas cabeças e diz que ao final e ao cabo seremos felizes, infelizes, ricos, pobres... Balela! Isso não me convence. Não aceito algo que nega minha capacidade de escolher, decidir ou não por algo que quero ou não. Meu! Eu decido!
Exceção, talvez, à morte e que para a qual não acredito que haja uma data pré-determinada, mas certamente ela chegará pra todos, vinda sob a forma que vier. Contudo, penso que ela é uma passagem, uma troca de estágio; em que transcendemos pra outro nível, momento ou dimensão de nossa existência num continuum infinito de aprendizado e colaboração. Para mim a morte não chega ao fim e ao cabo.
Aliás, esse assunto é um prato cheio nas artes e na cabeça de muitas pessoas convictas de que a existência termina com a morte. Penso que para além dessas manipulações (falsas) sobre o futuro ou determinantes do nosso destino pregadas por uns e outros, são as nossas ações (inclusive os pensamentos) que alteram os rumos e resultados em nossa vida.
Nossa existência é parte de um processo maior que reúne forças poderosas e desconhecidas que mexem com o nosso interior e exterior o tempo todo. Forças como a da “mudança constante”, que provoca a nossa evolução desde o começo dos tempos e nos acompanha do nascimento ao envelhecimento, numa espécie de metamorfose ambulante sem freio e rua abaixo. Não há um dia igual ao outro.
Tudo ao nosso redor se relaciona conosco e vice versa. É uma troca constante, boa e ruim, que nos influencia e nos impulsiona a fazer, criar, desejar, planejar e inventar formas, jeitos e maneiras de ampliar ainda mais o rol das mudanças, numa espiral crescente em que nunca passamos pelo mesmo lugar e do mesmo jeito. A certeza da mudança é tanta que muitos querem customizar suas mudanças, numa espécie de fast food de mudanças em que alguém pede um pacote de “mudanças fresquinhas e que se encaixem nas medidas preferidas”. Dada a nossa natureza, lutamos contra todas as forças para satisfazer nossos desejos de consumo e de controle, apenas pela vitória do ego. Uma loucura desvairada pela mudança que interessa unicamente a si. E há tanta gente assim que nos parece estarmos vivendo todos do mesmo jeito. Só parece.
O fato é que há muitas pessoas iludidas por si mesmas, porque de antemão sabem que lutam batalhas perdidas. Sabem que não há como controlar as mudanças que ocorrem durante a vida e tampouco alterar a própria existência, salvo, talvez, se resolverem atirar uns nos outros ou nelas próprias. Bem lá no fundinho de suas consciências essas pessoas sabem de tudo isso, mas desconsideram os avisos e as luzes amarelas que a natureza apresenta; eles insistem teimosamente porque o ego lhes escapa pela boca e a intransigência os consome.  
escolhas.jpg
De todo modo são escolhas e fazemos isso durante toda a vida, e a todo instante. Escolhemos ao acordar se faremos aquilo ou não; se devemos dizer ou nos calar; se seguir é melhor do que ficar, enfim, escolhemos sempre. Às vezes escolhemos não escolher. Há quem prefira não escolher, omitir-se, renunciar sua escolha e deixar que outros a façam por ele. 

Isso acontece muito, principalmente em nosso país, onde outorgamos o poder de conduzir a nação a representantes, uma decisão muito importante se nos responsabilizássemos também pelos resultados do trabalho desses representantes. Mas largamos mão desse controle e eles deitam em rolam com o poder que lhes demos. Isso também acontece em muitos relacionamentos, quando um deixa suas escolhas nas mãos do outro. Muitos passam a vida sem opinião. Eu não, não consigo aceitar isso. Minhas escolhas são somente minhas.
Há ainda situações em que alguns são escolhidos, talvez pelas suas competências, habilidades e atitudes, e outros pela cor dos olhos. Seja como for, mesmo em uma quanto na outra situação, aceitar a escolha é uma escolha pessoal. Nas situações em que não se é escolhido há aqueles que ficam frustrados, tristes, cabisbaixos e outros que ficam felizes, aliviados, principalmente porque não queriam de fato ou não tinham qualquer expectativa, boa ou ruim. O que conta em muitos casos é a intuição de um lado e a expectativa do outro. De novo, lá no fundo de nossas consciências e desejos vivemos a esperança de uma escolha que nos leve à uma vida melhor. Quem não quer isso?
super-heroi-GG.jpgHá muita gente querendo isso e lutando bravamente - e conheço muita gente assim - para conquistar posições e condições melhores na vida. Pessoas que chegam diante dos desafios com a intenção de demonstrar competência, entusiasmo, compromisso e outros predicados que estão profundamente radicados em nossa cultura. Lutam para ser, ter, estar… Muito mais para ter, na maioria das vezes. De certo são lutas sérias, mas com resultados de longo prazo inglórios, bobos, imaturos, do tipo "perda de tempo" como aquelas que acontecem de maneira muito intensa no ambiente do trabalho.
Habitualmente há um apego feroz a carreira e a ideia de demonstrar valor no ambiente de trabalho. Tornar-se um líder de uma equipe e ser endeusado pelo "time", como aquele super-herói invencível que chega voando com sua capa reluzente, a prova de balas e cinto de mil e uma utilidades para salvar a mocinha em perigo e encantar as crianças...  O olhar de raios-X até que seria legal, queria ter. Enfim, vira modelo de ser, estar, ter... Estereótipo total. Ao fim e ao cabo percebemos que nossos modelos não nos servem e tão pouco aos outros.
Vemos-nos perdidos em nossa arrogância e derrubados de nossos tronos. Como mortais carentes de um “colinho” amigo, daquela pessoal especial, que venha e nos ajude a entender aonde nos perdemos; em que erramos; a qualidade das escolhas feitas; e se possível, que caminhos poderiam ser tomados para nos reencontrarmos. Encontrar aquela pessoa que, talvez, fomos um dia e que nos falta sê-lo novamente. Uma missão difícil, sem dúvida, mas deve-se tentar.
Certamente você tem uma em sua mente agora, mas se não tem, seria bom ter…
Eu conheço gente assim. Elas existem e são gente muito poderosa que param o que estão fazendo para nos abraçar; nos ouvir; nos dão carinho e compreensão; gente que dispõem de seu tempo para nos orientar e aconselhar. Essa gente existe, mas não as vemos com facilidade principalmente porque muitas vezes, o nosso umbigo atrapalha a visão e como sempre estamos fazendo coisas mais importantes do que vê-los.

abraços.jpgInfelizmente, a maioria de nós vê o mundo pelo próprio umbigo e ao contrário dessas pessoas, elas enxergam o mundo pela gente; pelas pessoas que nele existem e não por seus umbigos. Essa gente tem uma imensa disposição para a simplicidade, a tolerância, a consideração e solidariedade. São contagiantes e muitas vezes invejados, quando deveriam ser copiados. Elas inflamam a gente e a todos ao seu redor.

Fazem-nos flutuar com sua energia boa. Apostam na gente e isso é o que nos dá mais medo. Medo dessa segurança e confiança que têm na gente o tempo todo. Quero ser do jeito deles ou ao menos, agir como eles o máximo que conseguir. Conheço gente assim.
São pessoas normais, com defeitos e qualidades. Amam, são amadas (às vezes), vivem suas fantasias e realidades com força e intensidade, e acreditam que para se viver bem é necessário amar a vida, aos outros e a si mesmos desse jeito.

Conheço gente assim e sinto muita falta de mais gente assim por perto. Meu sonho é ser gente assim.
Gente que anima, ajuda, compartilha, carrega no colo, beija na boca, abraça com força, chora junto, corre pra não atrasar, segura pra acalmar, que grita de emoção, que fica quieto pra escutar, ouve em silêncio, experimenta, tenta, pensa, explica, lê, gente que parece com a gente, mas é diferente. Gente que tem fé. Gente que acredita em si mesmo e no outro. Admiro gente assim. Gente que apesar de suas dificuldades ajuda o outro a viver melhor.
Hoje, muito antes de pensar em chegar ao fim e ao cabo, e bem antes disso, quero ser gente assim, gente que cuida de gente.


Nenhum comentário: